Papa Francisco: ‘a perda de um filho é uma experiência que não aceita descrições teóricas’
Na manhã deste sábado (2), depois de umas breves palavras do Papa, que ainda está um pouco resfriado, o texto do discurso preparado para a ocasião do encontro com o grupo “Talità kum”, de pais que perderam um filho, foi lido pelo monsenhor Ciampanelli da Secretaria de Estado. “Estou muito feliz com sua visita e agradeço por estarem aqui, disse Francisco com uma saudação ao padre Ermes Ronchi, que os acompanha espiritualmente”.
A primeira coisa que desejo fazer é olhá-los no rosto, acolher de braços abertos suas histórias marcadas pela dor e oferecer uma carícia ao seu coração, partido e traspassado como o de Jesus na cruz: um coração que sangra, um coração banhado pelas lágrimas e dilacerado por um pesado sentimento de vazio.
No texto lido pelo monsenhor Ciampanelli, Francisco destaca que “a perda de um filho é uma experiência que não aceita descrições teóricas e rejeita a banalidade de palavras religiosas ou sentimentais, de encorajamentos estéreis ou de frases de circunstância, que, embora queiram consolar, acabam machucando ainda mais aqueles que, como vocês, enfrentam uma dura batalha interior todos os dias”.
O Santo Padre diz que não devemos cair na atitude dos amigos de Jó, que oferecem um espetáculo doloroso e sem sentido, tentando justificar o sofrimento, recorrendo até mesmo a teorias religiosas. Em vez disso, somos chamados a imitar a emoção e a compaixão de Jesus diante da dor, que o leva a viver em sua própria carne os sofrimentos do mundo.
A dor, especialmente quando é tão dilacerante e carente de explicação, só precisa se agarrar ao fio de uma oração que clama a Deus dia e noite, que às vezes se expressa na ausência de palavras, que não tenta resolver o drama, mas, ao contrário, habita perguntas que sempre retornam: “Por que, Senhor? Por que isso aconteceu comigo? Por que o Senhor não interveio? Onde está, enquanto a humanidade sofre e meu coração chora uma perda insuportável?”.
Francisco diz que essas perguntas, que ardem por dentro, perturbam o coração; ao mesmo tempo, porém, se nos colocamos a caminho, como vocês fazem com tanta coragem e até mesmo esforço, são exatamente essas perguntas sofridas que abrem vislumbres de luz, que dão força para seguir em frente.
De fato, não há nada pior do que silenciar a dor, silenciar o sofrimento, remover os traumas sem lidar com eles, como nosso mundo muitas vezes nos leva a fazer, na pressa e no torpor.
A pergunta que se eleva a Deus como um grito, ao invés, é salutar. É oração. Se ela nos força a mergulhar em uma memória dolorosa e a lamentar a perda, se torna ao mesmo tempo o primeiro passo da invocação e nos abre para receber o consolo e a paz interiores que o Senhor não deixa de dar.
O Santo Padre no seu texto recorda então do Evangelho de Marcos (5,22-43) a passagem na qual se inspiraram para dar um nome ao caminho percorrido. Conta-nos a história de um pai, chefe da sinagoga, com uma filha gravemente enferma; esse homem não fica fechado em sua dor, correndo o risco de se entregar ao desespero, mas corre até Jesus e lhe pede que vá à sua casa. E o Senhor deixa o que estava fazendo e caminha com ele. A dor o interpela, porque nosso sofrimento escava também no coração de Deus.
Há um detalhe comovente nesse episódio: a caminhada de Jesus com aquele pai aflito pela dor poderia ser interrompida quando, de casa, chega a notícia que ele não queria ouvir: “Sua filha morreu. Por que você ainda incomoda o mestre?” (v. 35). Jesus poderia ter parado, aberto os braços e dito: “Não há mais nada a fazer”. Em vez disso, ele diz ao homem: “Não temas, apenas tenha fé!” (v. 36) e continua a caminhar com ele, até entrar em sua casa, invadida pela morte. E, tomando a menina pela mão, ele a devolve à vida, a faz levantar.
Isso nos diz algo importante: no sofrimento, a primeira resposta de Deus não é um discurso ou uma teoria, mas é sua caminhada conosco, seu estar conosco. Jesus se deixou tocar pela nossa dor, percorreu o mesmo caminho que nós e não nos deixa sozinhos, mas nos liberta do fardo que nos oprime, carregando-o por nós e conosco. E, como nesse episódio, o Senhor quer entrar em nossa casa, na casa de nosso coração e nas casas de nossas famílias destruídas pela morte: Ele quer estar perto de nós, quer tocar nossa aflição, quer nos dar Sua mão para nos erguer, como fez com a filha de Jairo.
Irmãos e irmãs, agradeço-lhes por abrirem espaço em seus corações e em suas histórias para este Evangelho. Jesus que caminha com vocês. Ele quer secar suas lágrimas e quer tranquilizá-lo: a morte não tem a última palavra. O Senhor não os deixará sem consolo.
O Papa conclui dizendo que é lindo pensar que suas filhas e filhos, como a filha de Jairo, foram levados pela mão do Senhor; e que um dia vocês os verão novamente, os abraçarão novamente, desfrutarão da presença deles em uma nova luz, que ninguém poderá tirar de vocês. Então, vocês verão a cruz com os olhos da ressurreição, como foi para Maria e os Apóstolos. Essa esperança, que floresceu na manhã de Páscoa, é o que o Senhor quer semear em seu coração agora. Desejo que a recebam, que a façam crescer, que a valorizem em meio às lágrimas. E desejo que sintam não apenas o abraço de Deus, mas também o meu afeto e a proximidade da Igreja, que os ama e deseja acompanhá-los.
Fonte: Vaticano | Foto: Divulgação.